A antiga Tchecoslováquia possui um olhar etéreo e sombrio sobre os contos de fadas
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| Panna a Netvor (1978), dir. Juraj Herz. |
Panna a Netvor (A Bela e a Fera) é um filme da antiga Tchecoslováquia de 1978, com estreia em 81 no Brasil, dirigido por Juraj Herz. No filme, Julie (Bella), filha de um comerciante falido, é a única dentre as irmãs que opta por salvar a vida de seu pai e ir até o castelo amaldiçoado por uma Fera após ele roubar a rosa do palácio. A princípio, ao ela chegar ao bosque assombrado, a Fera deseja matá-la, mas a beleza de Julinka o impede disto. Depois de tempos no local, mesmo que ele a proibisse de vê-lo, ela passa a amá-lo, tornando assim, este amor, o único modo de acabar com a maldição que o transformou em um monstro.
Deixo claro aqui que só mesmo a Tchecoslováquia poderia com clamor transformar A Bela e a Fera, uma história tão conhecida por nós como um conto de fada romântico, doce e pueril, em sua forma original, sombria e tenebrosa. Ao começar pela Fera que na verdade é um corvo gigante, que mata comerciantes, camponeses e animais sem piedade.
Sobre a Fera outro fator que achei interessante é como ele se sente tão solitário e fora do mundo humano pela sua maldição e por como ele era quando humano (uma criatura arrogante e egoísta, narcisista, que não enxergava o outro), que não gosta da ideia de voltar a sua aparência normal, preferindo ser um pássaro gigante, pois assim, ele pertence à um lugar.
Julie é uma mulher graciosa, bondosa e delicada, que quando o vê pela primeira vez, ainda com aquela aparência monstruosa, sendo uma das Feras mais bem construídas que já vi dessa história, ela toca seu rosto com amor. Não havia generosidade ou compaixão no seu olhar, somente amor, paixão pura, e saudade em sua essência. Ela o amava não por saber que ele era um príncipe e poderia salvá-lo, mas sim porque amava como ele a tratara e cuidará apesar de seu rosto feroz, com gentileza e carinho.
"Você me disse que toda mulher tem o poder de tornar belo o homem que ama", e ela o fez. Não se limitando a sua face ou mãos, que perderam as garras assim que tocadas, como também seu caráter e personalidade, saindo de um assassino sádico, um monstro confuso e solitário, para alguém que estava disposto a morrer por saudade dela, a deixá-la ir embora para vê-la feliz apesar da dor que o causaria.
"- Dê a ela uma prova do seu amor! - Sim? - Mate-a antes que ela te veja! - Não! - Então se mate - Como? - Deixe-a ir!" é para mim o primor dos diálogos desse filme.
Herz foca em um mundo sombrio, desordenado e decadente, com personagens corruptos e cegos pela ganância, sendo a nossa "Bela", o foco central como a graça, quase um anjo entre todos os personagens. Isso fica evidente na cena que ela volta e suas irmãs fazem com que ela tire suas vestes e joias para elas experimentarem, mas ao vestirem, a joia vira lama e o vestido tem tecidos simples e rasgados.
Do mesmo modo, a ala que Julie morava na mansão era clara e bela, enquanto a parte de fora do castelo e ala em que a Fera viviam, era escura e destruída, porém, no momento em que ele se enche do amor dela e muda verdadeiramente, se transformando novamente em uma pessoa, todo o castelo volta a ser claro e bem-afeiçoado.
Juraj constrói com riqueza uma crítica clara ao mau-caratismo, narcisismo e ganância das pessoas em volta de um conto de fadas clássico para crianças, com beleza e inteligência, pegando o público e o tornando hipnotizado pela sua história fascinante. Além de apresentar cenas que demonstram o que é o amor verdadeiro, aquele disposto a aprender e mudar com quem se ama, e também que não se julga somente pela aparência.
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| Panna a Netvor (1978), dir. Juraj Herz. |


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